Friday, January 09, 2015

Agricultura do desejo

É preciso sentir novamente               a velha sensação de arrepio
a volta do desejo transparente,
forte e arrebatado.

É preciso, para que não me persigam
as lembranças inúteis
ou a tristeza de saber que o tempo presente
tende a se perder sem a ternura de um beijo
sem a paixão, a emoção, o sabor que a bebida,
a comida e a vida exige, requer,
e deve ter,
um corpo de mulher.

É preciso que siga a intuição
me perdendo em bocas, bicos, seios,
em pernas, seivas e gostos
para sentir calor e desejo
embora sendo só a ilusão
de que o amor seja possível de se recuperar
longe da pessoa que se ama
em outras terras e camas.

No momento preciso que haja todo um sentir,
toda uma continuidade da carne
como se houvesse um sacrifício
capaz de saciar o amor com o vício
e o viver com o entorpecimento
dos sentidos.
A incessante necessidade de ser
um homem sem identidade
e sem amarras
me faz, hoje,
um ignorante comedor de uvas
amassando parras
querendo apenas
sentir o gosto do vinho.

Do livro “Águas Passadas”, Rio de Janeiro, Editora Per Se, 2013.

Ilustração: historiasvalecai.blogspot.com

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