Sunday, November 06, 2005

INEXPLICÁVEL

I
O jornal não publicou
Que o nosso amor acabou.
Toca uma música estranha
E o que passou, passou.
Nada, porém nunca passa
Assim como nada fica
Em tudo que já ficou.
Para onde foi tanto amor?
Onde está tanta paixão?
Os beijos, as carícias
e o desejo de sexo
Se foram sem nenhum reflexo
Na programação da tevê
Nada de interessante se vê,
Nada de bom se escuta.
Te chamo de santa e puta-
Ninguém me ouve nem vê.
Tão distante estou
de milhões
Que se preocupam, lá fora,
com tantas coisas banais
Sem saber que o nosso amor
Morreu,
Que nosso amor
não há mais
Como um balão que murchou
Sem gás, sem gás, sem gás.

II
O nosso amor não há mais.
Será que houve?
Lembro da emoção
na noite de estréia
Do teu jeito de rainha plebéia
Me pedindo ilusão
E tão iludido estava
Que peguei na tua mão
Beijei teus seios,
Lambi teu ventre
Tão docemente,
Tão docemente
Que a bebida
nem fez efeito
E, eu, que nunca tive jeito,
Fui um amante perfeito
Tanto que a manhã chegou
E tu me pedias
Para não te matar de amor,
Logo eu que morria de te amar.
E, agora, este amor onde está?
Não terá sido um sonho?
Teus objetos, por toda parte,
dizem que não;
Que mudou tudo:
O tempo, o lugar, os desejos,
o gosto dos beijos,
o modo de pensar a vida
e o meu coração.
Morre tudo com o tempo,
Principalmente a ilusão.

III

Agora me parece estranho
Que vivemos tanto tempo juntos
E achamos desejos, assuntos
Ou suportamos os silêncios comuns,
as dúvidas, os defeitos,
a insuportável presença
do outro.
Sinto-me como alguém
Que conviveu com uma estranha.
Como se, as tantas vezes,
Que explorei teu corpo
Que retirei suor e gozo
Me afastasse cada vez mais de ti
E isto é mais estranho
porque nunca percebi
E isto é mais terrível
porque te amava tanto
E mais ainda porque
choro e canto
Este amor que me dói
imensamente perder
E que me alegra
saber que o perdi.
Afinal eras uma estranha e uma amiga,
uma amada, uma inimiga,
uma fonte de tristezas e alegrias.
Eras simplesmente
uma mulher:
Insolúvel mistério,
Algo que, de repente, é tão sério
Que faz sonhar e sofrer.

IV
É indiferente ao mundo
Que o nosso amor
tenha morrido.
Nada mudou.
Nada muda
E tudo está mudando.
Com certeza alguém morreu
outro nasceu, outro comprou
o edifício onde estou.
É indiferente para mim
O preço do chocolate.
Não tomo chocolate.
Amor e chocolate-
Em certos tempos-
São coisas tão parecidas.
Podem tanto doer nos bolsos
Quanto afetar as barrigas.
Será que estou me escondendo
Da dor que deixastes ao partir?Me olho no espelho a sorrir
Ponho no prato um disco.
A vida é um contrato de risco-
Digo de mim para mim-
Contente de estar tão feliz
Marco encontros, bebo vinho,
quase canto.
Faço planos para futuras
madrugadas
E só não posso entender
Esta vaga saudade
Que ainda sinto
de te perder.

2 comments:

Lia Noronha said...

Sorrias...e o mundo rirá contigo.Chores...que chorarás sozinho.
A nossa dor...é algo que nunca poderemos dividir com ninguém...temos que curtí-la e descurtí-la solitariamente.
Beijos mil e uma semana bem tranquila.

Saramar said...

Ah! o amor, sim, é insolúvel. É um caleidoscópio de dores, prazeres e sonhos. E não vivemos sem ele, por mais que doa.

Belíssima descrição da chegada e da ida de um amor.

Obrigada