Sunday, July 06, 2025

Ezra Pound sendo Ezra Pound

 


TS’AI CHI’H

Ezra Pound

The petals fall in the fountain,
            the orange coloured rose-leaves,
Their ochre clings to the stone.

TS’AI CHI’H

As pétalas caem na fonte,

as folhas de rosa cor de laranja,

Seu ocre gruda na pedra.

Ilustração: Meloview.

Gabriela Mistral vem enquanto a neve cai

 


MIENTRAS BAJA LA NEVE

Gabriela Mistral

Ha bajado la nieve, divina criatura,
o vale para conhecer.
Ha bajado la nieve, melhor que as estrelas.
Vamos cuidar!

Viene calla-callando, cae y cae a las puertas
e chama sem chamar.
Assim foi a Virgem, e assim foram os sonhos.
Vamos chegar!

Ela deshace o grande nido que está nos céus
e ela o fez voar.
Plumas caen al valle, plumas à la llada,
plumas ao olivar.

Tal vez rompió, cayendo e cayendo, a mensagem
de Deus Nosso Senhor.
Tal vez era seu manto, tal vez era sua imagem,
talvez não mais seu amor.

ENQUANTO A NEVE CAI

Caiu a neve, divina criatura,

o vale para conhecer.

Caiu a neve, melhor que as estrelas.

Vamos cuidar!

 

Vem silenciosa-silenciando, cai e cai nas portas

e chama sem chamar.

Assim foi a Virgem, e foram os sonhos.

Vamos chegar!

 

Ela desfez o grande ninho que está no céu

e ela o fez voar.

As penas caem no vale, penas na planície,

penas no olival.

 

Talvez tenha rompido, caindo e caindo, a mensagem

de Deus Nosso Senhor.

Talvez tenha sido seu manto, talvez tenha sido sua imagem,

talvez não mais seu amor.

Ilustração: Brasil Escola-UOL.

Thursday, July 03, 2025

Fato Inútil



(Puxando a linha do Jackson Jibóia)

Você viu?

Agora, em julho de 2025, 

estamos mais perto de 2050

do que de 2.000.

O que isto nos diz?

Que o que passou, passou.

O passado no passado ficou. 

E só no futuro se pode ser feliz.

Mas, há quem diga

que para isto não liga,

pois felicidade não tem hora

e está sempre no aqui e no agora.


Wednesday, July 02, 2025

Uma poesia de Antonio Miguel Reyes

 


EL DIABLO  

Antonio Miguel Reyes

Que ya no tiene cuernos, sí corbata
y firma con sonrisa el desconsuelo;
predica libertad, pero es el hielo...
que adorna la traición con buena plata.

No teme a la verdad: la desbarata.
Y siembra en cada voz su sucio lelo;
vende el dolor, que llega de su cielo,
y cobra por rezar... ¡qué gran pirata!

No asusta con azufre ni tridente:
el te habla como amigo, dulce y manso,
te ofrece lo que quieres... y te miente.

Mas todo lo que da lo cobra en llanto,
y el alma que se vende, eternamente,
descubre que el infierno... estaba al tanto.

O DIABO

Que já não tem chifres, mas gravata,

e assina com um sorriso o desconsolo;

prega liberdade, mas é gelo...

que adorna a traição com boa prata.

Não teme a verdade: a desbarata.

E semeia em cada voz sua tolice;

vende a dor que vem do alto desce,

e cobra por rezar... que grande pirata!

Não assusta com enxofre ou tridente:

e te fala como um amigo, doce e manso,

te oferece o que queres... e te mente.

Mas tudo o que dá, te cobra em pranto,

e a alma que se vende, eternamente,

descobre que o inferno... sabia tanto.

Ilustração: Lucas Banzolli.

Ela de volta: Louise Glück

 


Louise Glück

17.
The self ended and the world began.
They were of equal size,
commensurate,
one mirrored the other.
17.
O ser em si mesmo terminava e começava o mundo.
Eram do mesmo tamanho,
medidos,
um no espelho do outro.
18.
The riddle was: why couldn't we live in the mind.
The answer was: the barrier of the earth intervened.
18.
O enigma era: por que não podemos viver na mente?

A resposta era: a fronteira da Terra interveio.

Ilustração: BBC.



Tuesday, July 01, 2025

Escrevendo contra mim mesmo


Há coisas que não compreendo.

Outras nunca compreenderei. 

Dos olhos vai se perdendo

o que, sinceramente, não sei. 

(Talvez faça sentido para outras visões

o que somente me parecem borrões). 

Sobre o que não sei não posso dizer

se é bom, ou não, se não gostei

me é indiferente e incompreensível. 

Arte somente me parece ser 

o que é belo ou possível de compreender. 

Uma poesia de Thomas Merton


 


THOUGHTS IN SOLITUDE

Thomas Merton

MY LORD GOD, I have no idea where I am going. I do not see the road ahead of me. I cannot know for certain where it will end. Nor do I really know myself, and the fact that I think that I am following your will does not mean that I am actually doing so. But I believe that the desire to please you does in fact please you. And I hope I have that desire in all that I am doing. I hope that I will never do anything apart from that desire. And I know that if I do this you will lead me by the right road though I may know nothing about it. Therefore will I trust you always though I may seem to be lost and in the shadow of death. I will not fear, for you are ever with me, and you will never leave me to face my perils alone.

PENSAMENTOS NA SOLIDÃO

MEU DEUS, não tenho ideia de onde estou indo. Eu não vejo o caminho em frente a mim. Eu não sei certamente qual o seu fim. Tampouco me conheço e penso que estar te seguindo não significa que sei o que estou fazendo. Porém acredito que o desejo que tenho de te agradar já em si te agrada. E espero ter este desejo em tudo que faço. Eu espero não fazer nada que não seja parte desse desejo. E sei que se assim o faço me guiaras pelo caminho correto ainda que não  saiba nada sobre ele. Por isso confiarei em ti sempre ainda que possa parecer que esteja perdido e nas sombras da morte. Não terei medo, porque tu estarás sempre comigo e nunca me deixarás enfrentar os perigos sozinho.

Sunday, June 29, 2025

A Glória

 



Seja forte!

A vida é o desenrolar da morte.

Viver é morrer cada segundo,

sem sentir,

se iludindo com o prazer do mundo,

enquanto a existência se esvai

em cada batida do relógio.

Melhor esquecer esta parte

E buscar na arte,

em comer bem, beber melhor, amar

e viver o presente,

consciente ou não,

a ilusão

de que cada minuto que se conquista

representa uma vitória.

Viver, enquanto se pode,

é a verdadeira glória!

Um trecho de Séguidille de Paul Verlaine

 


SÉGUIDILLE

Paul Verlaine

Ah, ton corps, qu'il repose
Sur mon âme morose
Et l'étouffé s'il peut.
Si ton caprice veut,
Encore, encore, encore!

SEGUIDILHA

Ah, teu corpo, que repousa

Sobre minha alma morosa

E que a sufoca se pode,

Se teu capricho exigir,

Outra vez, outra vez, outra vez!

Ilustração: Instagram.


Uma poesia de Yehuda Amichi

 


THE BODY IS THE CAUSE OF LOVE
Yehuda Amichi

The body is the cause of love;
after that, the fortress that protects it;
after that, love's prision.
But when the body dies, love is set free
in wild abundance,
like a slot machine that breaks down
and with a furious ringing pours out all at once
all the coins of
all the generations of luck.

O CORPO É A CAUSA DO AMOR

O corpo é a causa do amor;

além de ser, a causa e a fortaleza que o protege,

além de ser, a sua prisão.

Porém, quando o corpo morre, o amor fica livre

em selvagem abundância

como se fosse uma máquina caça-níqueis que quebra

e com um toque furioso despeja de uma só vez

todas as moedas de

todas as gerações de sorte.

Ilustração: Purepeople.


Saturday, June 28, 2025

Gustava Yuste de volta

 


CREYNTE

Gustavo Yuste 

En medio de la noche,
literalmente en el vértice
que separa a la oscuridad
de la madrugada,
tu imagen se presenta
como una diosa pagana
a la que ya no puedo rezarle
ni pedirle.
Lo que se adora
nunca responde,
¿no es esa la gracia
de todo esto?

O CRENTE

No meio da noite

literalmente no vértice

que separa a escuridão

na madrugada,

tua imagem se apresenta

como uma deusa pagã

para a qual não se pode rezar

nem pedir.

O que se adora

nunca responde,

não é esta a graça

de tudo isto?

Ilustração: Bandcamp.

Louise Glück, pois

 


19.

Louise Glück

The room was quiet.
That is, the room was quiet, but the lovers were breathing.

In the same way, the night was dark.
It was dark, but the stars shone.

The man in bed was one of several men
to whom I gave my heart. The gift of the self,
that is without limit.
Without limit, though it recurs.

The room was quiet. It was an absolute,
like the black night.

19.

O quarto estava quieto.

Quer dizer, o quarto estava quieto, porém os amantes

respiravam.

Do mesmo modo, a noite estava escura.
Era escura, porém as estrelas brilhavam.

O homem no leito era um dos muitos homens

aos quais entreguei meu coração. O presente do próprio ser
que não tem limites.
Sem limites embora se repita.

O quarto estava quieto. Absoluto
como a negra noite.

Ilustração: Aminos Apps.

Friday, June 27, 2025

Os Monstros Não Me Assustam Quando Durmo

 


Ignoro os monstros que aparecem

quando durmo.

Não importa que sejam assustadores, fantásticos, 

medonhos.

Os monstros não impedem os meus sonhos. 

E por mais horripilantes que eles sejam

se desfazem nas luzes que não desejam.

Nada podem, quando durmo, contra mim. 

E não poderão fazer nada mais

quando eu dormir para sempre, enfim.